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ALVORADAS

Sabe aqueles dias em que parece que tudo dá errado? De acordar atrasado, brigar em casa enquanto engole aquele café da manhã minguado, ouvir as notícias ruins no rádio, aguentar o mau humor do chefe no trabalho, lidar com os problemas de falta de grana, até enfrentar horas de engarrafamento para voltar para casa e lembrar que amanhã, de novo, tudo isso te espera mais uma vez?! Então… Foi assim que cheguei em casa, mais uma vez, ontem: exausto DA VIDA… E foi me sentindo cansado daquela luta, e me questionando o sentido daquilo tudo, que apaguei ainda no sofá da sala.


Eu estava tão cansado que até no sonho eu tinha dificuldades de me manter alerta… Nele, eu estava deitado num chão sujo, em meio a lama e pedras que machucavam meu corpo; bem no meio de um vasto descampado, que ia até perder de vista. Tudo era cinza e sombras e escuridão. Aqui e ali colunas de fumaça subiam lentas como lesmas indo pro céu cor de breu. E o ar fedia. Cheirava a uma mistura de suor e sangue e urina e carne queimada. E eu só tinha vontade de me dissolver ali, me misturar àquela lama imunda e sumir.

Risadas sarcásticas ecoavam ao meu redor. Riam de mim… Mas eu estava cansado demais para reagir; cansado demais até para continuar existindo. Num último esforço, com a cara ainda na lama, fechei os olhos devagar e rezei já sem ânimo: “ah, meu Pai, dai-me forças para continuar…”


E como num movimento ensaiado, o fim daquele meu suspiro cansado, que marcou o término daquela prece curta, coincidiu com um estrondo – não sei se um trovão ou o toque de um tambor! – que acelerou meu coração e me fez abrir os olhos.


As risadas se dissiparam, e lá de onde veio o som, o sol começou a rasgar o horizonte cor de chumbo com sua luz e as frestas que se abriam se alargavam rapidamente.


Ainda deitado no chão, vi as patas enormes de um cavalo bem próximas a mim. E, então, um par de botas de um ser vestido com uma armadura reluzente, e sua mão que se estendia para me ajudar a levantar.


Num segundo eu estava de pé, frente a frente ao cavaleiro que me sorria com carinho; e no outro, eu estava sobre o cavalo que já se movia, sendo guiado pelo cavaleiro, por um caminho formado pelos raios do sol.


Conforme o animal caminhava com seus passos firmes pude ver que, espalhados por aquele descampado, haviam “pedaços” das minhas “lutas” de cada dia. E eu me senti responsável por elas estarem ali: a discussão da manhã ardia como brasa num canto, minhas preocupações com dinheiro formavam uma poça de sangue podre, minhas desilusões e rancores corriam por todos os lados como ratazanas ameaçadoras… Tive vergonha e baixei a cabeça, e foi como se meu gesto tivesse sido sentido e, imediatamente repreendido pela minha montaria. O animal bufou maneando a cabeça vigorosamente. E o cavaleiro, sem parar, se voltou para mim calmamente e apenas apontou na direção em que a luz do Sol, refletida pela sua armadura, seguia. Era uma ordem silenciosa para que eu olhasse o que acontecia com a paisagem ao redor quando ela era banhada pela luz: os miasmas que eu havia criado se dissolviam no ar quando a luz os tocava!… E eu sorri timidamente, ainda envergonhado, mas agradecido e revitalizado. Era como se a pujança do ginete emanasse para mim. Eu me sentia revigorado, forte, vivo de novo…


Mais à frente, o cavaleiro parou e acenou com a cabeça para que eu me virasse e olhasse para o local de onde viemos. E meus olhos se encheram da beleza de uma estrada desenhada pelo Sol… Uma linda estrada de luz que cortava aquele descampado de agruras em que antes eu me encontrava.


E mais uma vez eu me achava frente a frente com o cavaleiro. Ele apoiou suas mãos em meus ombros e olhando fixamente em meus olhos me falou de forma tranquila e firme: “Filho, o bom guerreiro escolhe bem as batalhas que vai enfrentar, pois conhece suas forças e seus pontos fracos, e trabalha para tê-los sob seu controle. E principalmente, o bom guerreiro não dá uma guerra por perdida porque perdeu uma batalha. Mantenha o ânimo. Você não está só. Todo filho de fé que segue pelo caminho da luz – e ele apontou para a estrada que vinha do astro rei até nós – sempre terá minhas armas e meu escudo para sua defesa…”


O cavaleiro disse essas últimas palavras enquanto subia elegantemente no cavalo e sacava de sua espada, a qual ele bateu contra o escudo que segurava na mão esquerda, fazendo um novo estrondo ressoar em meus ouvidos…


Um estrondo que me fez despertar de meu sono. Um estrondo que foi seguido por vários outros… Acordei no sofá da sala, de onde vi os fogos… Fogos que marcavam a alvorada do dia de São Jorge! A alvorada de Ogum! Um novo dia, uma nova chance… O raiar de novas possibilidades!…


Salve, força que impulsiona o progresso!


Ajuda-nos, Seu Ogum, a seguir no caminho da luz sempre!


Saravá, Ogum!

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