top of page

A SUA BÊNÇÃO, VOVÔ!

Negro foi arrancado de sua terra; arrastado pelas águas de Iemanjá até chegar à Terra de Santa Cruz, onde conheceu o purgatório.


Perdeu sua identidade, sua língua, sua crença. Foi misturado com outros negros no afã de fazer com que perdesse sua força. Não perdeu; ganhou!...


E se misturou na língua, na crença, na pele do branco e do índio que aqui estavam. Fortaleceu seu sangue, se dividiu como raça, se multiplicou como gente.


Lutou, sofreu, chorou. Se fez e refez na sua nova terra com sua nova gente. E apesar do trabalho pesado, do açoite e das condições subumanas de vida que lhe davam, alguns se fizeram velhos. E deixaram de produzir, de gerar renda aos olhos dos homens. Passaram a valer menos do que valiam quando aqui aportaram.


Mas ao passo que as forças lhe deixavam os braços, vendo o tempo passar, aprenderam a ter paciência e resignação; a tirar das matas verdes de Oxoce o alento das dores, a cura das doenças do corpo e da alma.

Aprenderam a rezar e rezavam para curar. Curavam os bichos e o bicho homem de pele preta – que era talvez, até um antigo desafeto. E na hora do desespero, quando o bicho homem, o de pele branca – talvez (!) um novo desafeto –, lembrava que também era bicho e que o velho, que nada valia, podia curar, o velho o curava.


E muitos ele curou. E aconselhou e ensinou. Resignou-se e assim passou por essa terra, que deixou de ser santa até no nome. E como é da lei, voltou à Terra, certamente algumas vezes mais, talvez, quem sabe, não mais como escravo, até que Zâmbi, seu verdadeiro Sinhô, lhe deu a alforria da carne, a liberdade real, o direito de deixar a grande senzala "de expiações e provas".


Mas ele quis poder ficar e continuar trabalhando. Escolheu a roupa que mais representasse o que ele tinha a dizer e tornou a voltar. E hoje ainda vem de bem longe, mas dessa vez por sua vontade, de bom grado, sem grilhões ou chibatas. Mas vem como passou um dia por aqui: preto, velho, valendo pouco na aparência, mas sendo inestimavelmente valoroso naquilo que os olhos da carne não podem enxergar: a boa vontade, a caridade, o amor incondicional no coração.


Preto, velho, o retrato do que não produz. Não produz com os braços da carne, não produz com a força limitada do corpo físico, mas que é capaz de quebrar, com a singeleza arrebatadora de suas palavras pouco articuladas, o mais duro dos corações; é capaz de secar os rios de lágrimas que correm dos olhos daqueles que os procuram; capaz de carregar para longe as grandes dores.


Preto velho, o retrato da perseverança, da paciência, da humildade maior. Lição de vida viva, mesmo que não encarnada.


Tua bênção, Pai Preto! Que sejamos merecedores da alegria que tua presença nos dá.


Saravá, Vovô! Pedimos que Zâmbi nos permita a felicidade de nos ajoelharmos à tua frente e aprender com a tua humildade; aprender que a sabedoria não precisa de berço de ouro para nascer; aprender a respeitar a todos; e, acima de tudo, aprender que não há bem maior nesse, e nos outros mundos, que a caridade que tu tão bem simbolizas.


Salve os Pretos Velhos!

bottom of page