"CONHECEREIS A VERDADE E ELA VOS LIBERTARÁ"
Todo ano o Carnaval gera alguma polêmica. E quando essa polêmica envolve religião, o falatório é ainda maior. Basta lembrar do Cristo censurado do saudoso Joãosinho Trinta que, em 1989, ao ser proibido pela igreja católica de ser mostrado na Sapucaí, acabou se tornando ícone desse tipo de controvérsia entre Carnaval e religião.
Conhecendo um pouco da História, percebe-se que tal controvérsia é, à luz da razão, minimamente incoerente. Pois o Carnaval tem sua origem em festejos religiosos. E essa religiosidade vai muito além das religiões chamadas “pagãs” como a egípcia, a grega e a romana. A própria igreja católica, oficializou o Carnaval – no ano de 590 d.C. (!) – e também incentivou sua celebração no passado.
Já no Brasil, além da influência católica, o Carnaval recebeu também a influência do Candomblé pelos batuques, pelo samba e pelo afoxé nascidos nos terreiros do nosso país. Por isso, seria muito mais correto se afirmar que o Carnaval é uma festa muito mais religiosa do que profana.
Com isso em mente, é, no mínimo, estranho ainda hoje vermos polêmicas que envolvam coisas tão intrinsecamente ligadas como a religião e o Carnaval, especialmente se tais polêmicas são criadas por católicos ou por praticantes de religiões “Afro-brasileiras” como o Candomblé e a Umbanda.
Mais fácil, porém, infelizmente é ainda vermos tais quizilas iniciadas e alimentadas por alguns irmãos neopentecostais, que acreditam que apenas sua religião é válida e verdadeiramente cristã; ou por aqueles que se autointitulam Pais e Mães de Santo, mas são, na verdade, estelionatários, charlatões que enganam e extorquem as pessoas se valendo de seu desespero e credulidade.
A última dessas polêmicas vem do fato da escola de samba Salgueiro, que tem seu enredo inspirado na “A Ópera do Malandro" de Chico Buarque, ter optado por mostrar na Sapucaí, para falar dos malandros, representações do Povo de Rua.
O enredo – que, vale lembrar, é diferente do samba-enredo! – do Salgueiro diz:
“Malandro…
Um homem de fé, que fecha o corpo e abre os caminhos ao próprio destino.
Que não foge à luta e que pede a paz!
Entidade saudada em mojibás, laroiês e saravás.
É aquele que entra na gira pra fazer o mundo girar.
Que guia a roda na palma da mão para sua gente ir adiante.
É o dono da rua que vive na alma de cada carioca da gema,
povo que “TRABALHA PACA”!!
Que vai pro batente de todo dia chacoalhando guias e cordões no trem da Central...”
Pelo que tudo indica, em todo o desfile, representações de Exus e Pombagiras vão mostrar na avenida, o jeito de ser do Malandro – com letra maiúscula! –, Seu Zé Pelintra. Símbolo de um homem do povo, simples, mas muito livre, que, mesmo frente às dificuldades da vida, sobrevive trabalhando, sorrindo, dançando, se divertindo, se apaixonando, amando, enfim, aquele que realmente vive a “boa vida” apesar de tudo! Como grande parte da nossa gente!
Até então, só coisas boas. Mas então, qual o motivo da controvérsia? Não seria melhor quem não gosta de Carnaval fazer um retiro espiritual? Ou apenas trocar o canal da TV?
Quem poderia reclamar, talvez, fossemos nós, o dito “povo de santo” sério, já que poderíamos nos sentir, de alguma forma, ofendidos pelas representações que serão feitas das nossas sagradas Entidades – sentimento, porém, sem razão, já que o todo o assunto tem sido tratado pela Escola com o devido respeito.
Logo, não haveria motivos para tanta grita nem por parte de católicos, nem de evangélicos, nem do próprio "Povo de Santo"!
Mas se considerarmos a possibilidade de que o real motivo para tal alarde está muito mais relacionado a poder e dominação de alguns líderes religiosos do que à religião propriamente dita, a coisa começa a fazer sentido.
Colocar na Sapucaí um enredo que enaltece a figura do Malandro e mostra Exus e Pombagiras (os quais aqueles líderes religiosos pregam ser o próprio demônio para amedrontar os incautos) de uma forma artística, bela e louvável para milhões de pessoas em todo o mundo, é um golpe bastante forte para quem faz uso da ignorância e do preconceito existente contra essas Entidades para manter seu poder e sua força de manipulação sobre suas “ovelhas” ou seus “clientes”.
Falar sobre o assunto é o primeiro passo para começarmos a levantar o véu da ignorância que esses ditos líderes religiosos se valem para controlar seus seguidores.
Mostrar a verdade sobre a nossa cultura riquíssima e cheia de fundamentos; que tem suas raízes na força do trabalho, na resiliência e na luta pela liberdade; que está mais presente do que nunca no dia a dia de nosso povo; e, que deve receber o devido respeito como toda e qualquer manifestação religiosa é dever de todos os que têm sua fé acolhida nas religiões de base afro-brasileira em toda e qualquer época do ano!
Que o Povo de Rua proteja sempre os caminhos dos que semeiam o bem!
Laroiê, Exu! Laroiê, Pombagira!
Salve todo Povo Trabalhador!
Para saber um pouco mais sobre a origem do Carnaval, veja o vídeo ao lado >>>>