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A MOÇA E A PEDRA

Certa vez, uma Moça que vinha andando feliz pelo mundo encontrou a Dona Vida. E Dona Vida deu a ela uma pedra. E disse a ela que ela teria de carregar aquela pedra pra sempre enquanto vivesse. Dia e noite, noite e dia ela estaria com sua pedra.


De primeira, a Moça ficou muito assustada. Como ela ia viver carregando uma pedra pra tudo quanto é lado!? A Moça então se revoltou, esperneou, chorou… Mas não adiantou. A gente não se desfaz assim dos “presentes” de Dona Vida.


Então a Moça passou a andar por aí com sua pedra a tiracolo, olhando fixamente para ela. Sempre cabisbaixa, chateada por ter que carregar aquele fardo pra cima e pra baixo.


Não era uma pedra grande, é verdade. Mas era incômoda! Ela queria andar por aí livre! Sem pedra pra se preocupar!

E a Moça vagou por um tempo com sua pedra, sempre de olho nela, sempre triste. E, de vez em quando, quando ela tira os olhos de sua pedra por alguns segundos, viu outras pessoas também carregando outras pedras por aí. Pelo visto, Dona Vida gostava de dar pedras de presente. Algumas maiores, outras menores. Algumas pareciam ser carregadas mais facilmente que outras… Mas a Moça sempre voltava os olhos para sua pedra rápido demais para ver o porquê…


Até que um dia, a Moça chegou a um lugar, um Cantinho cheio de Crianças. E percebeu que lá também tinha um monte de gente carregando suas pedras, mas notou que elas não pareciam muito preocupadas com as pedras em si.


E lá, uma das Crianças daquele Cantinho se aproximou da Moça:


– Oi! Tudo bem?!


– Oi… Mais ou menos…


– “Mais ou menos” por quê?! O que houve?!


– Essa pedra!…


A Criança olhou pra pedra nas mãos da Moça com ar de “tá, mas e daí?” e a esperou continuar.


– Não é fácil viver com isso! Carregando essa pedra onde quer que eu vá!…


– Hummm… Mas ela foi um presente da Dona Vida pra você, não foi?!


– Pô! Mas que “presente”, né?! Presente de grego!


A Criança apenas olhou intensamente para a Moça… E depois, sorriu e disse:


– Deixa eu te mostrar uma coisa… - E a Criança estendeu a mão sobre os olhos da Moça e, como num sonho, a Moça viu como uma grande tela de cinema a sua frente.


E na tela, passava um filme: várias pessoas carregando pedras. Diferentes pedras. Maiores, menores, de outras cores, de outros formatos. Umas tão grandes que mal se via a pessoa que a carregava! Outras pessoas pareciam não carregar pedra alguma, mas aí se via que elas vinham escondidas – nos sapatos, nos olhos, no coração…


Mas todas as pessoas, naquele filme, se dirigiam a um lugar onde havia a um senhor de túnica marrom e dourada, que brincava com um leão sentado a seus pés como quem brinca com um gato. Ele estava sentado ao lado de uma porta enorme, como que recolhendo as pedras, como se elas fossem uma espécie de ingresso. As pessoas entregavam a pedra ao senhor, ele ponderava a pedra por alguns segundos, falava algo com a pessoa e, ou acenava feliz para que ela seguisse pela porta, ou apontava na direção oposta, como quem a orientasse a voltar pelo caminho por onde tinha vindo.


Depois de alguns minutos observando a chegada dos carregadores de pedra, era fácil identificar um certo “padrão”: os que vinham carregando a pedra – independentemente do tamanho da pedra! – de maneira mais tranquila e “leve” eram os que, na maioria das vezes, seguiam pela porta de luz. Os que arrastavam as pedras como um fardo, por vezes reclamando e até xingando, eram os que acabavam voltando…


E frente à perplexidade da Moça, a Criança disse “vem!” e a puxou até perto do senhor “porteiro”.


– A bença, Vô!


– Que Zâmbi o abençoe, Criança! O que faz por aqui?!


– Tô mostrando uma coisa pra minha amiga aqui!


A Moça ainda perplexa só conseguiu dizer, de forma mais ríspida do que queria:


– O que tem depois da porta?!


O leão, que estava com a cabeça apoiada no colo no senhor, bufou… E o senhor acariciou sua cabeça, sorrindo…


– É o caminho para a evolução.


Frente à confusão estampada na cara da Moça, a Criança explicou:


– A cada existência, as pessoas evoluem um pouco. Você já aprendeu sobre isso, não já?!… Elas recebem os presentes – as pedras! – que Dona Vida dá a elas e elas as usam para aprender alguma coisa que precisam… E depois elas trocam esse aprendizado pela possibilidade de dar mais um passo na sua evolução; passar pela porta que o Vô guarda e seguir em frente…


Nesse momento, chegou até eles uma mulher, carregando uma pedra que parecia muito pesada para ela. Apesar da dificuldade, ela parou frente ao senhor, deu um longo suspiro e sorriu…


– Bom dia, filha! Parece que dessa vez as coisas estão melhores, né? Perguntou o senhor.


– Ah, bom dia, meu amigo! Muito melhor! Apesar de tudo, dessa vez, pude perceber que tive muita ajuda! Conheci pessoas maravilhosas sem as quais não teria conseguido, confesso…


E enquanto a mulher falava o velho porteiro recolheu a pedra que ela carregava como se essa nada pesasse e, sempre sorrindo, a depositou numa pilha enorme atrás de si. A mulher falou ininterruptamente por algum tempo. Sempre sobre pessoas que a ajudaram, sobre apoio recebido, sobre amigos de quem ela já tinha saudades, sobre achar que ela nem merecia aquilo… E quando ela parou, o senhor apenas sorriu e, com os olhos cheios d’água, disse:


– Fico feliz que tudo tenha dado certo dessa vez. Vá com Deus, filha. A gente se vê no futuro! – E indicou a porta para que a mulher seguisse e ficou olhando-a cruzar o portal iluminado. E ainda sorrindo, mas com lágrimas descendo pelo rosto, se voltou para as crianças ali e falou:


– Ah, o aprendizado da gratidão. Sou suspeito para falar, mas acho que é o que sempre me emociona mais!


A Moça estava preste a fazer uma outra pergunta, mas foi interrompida por uma outra pessoa que chegava com sua pedra. Era uma pedra pequena se comparada a da mulher, mais bem “lapidada”, era um homem que vinha como que trazendo um paralelepípedo na mão:


– Oi! Com licença!? Eu já tô carregando isso aqui há algum tempo! Já é a terceira vez que eu venho até aqui… Quando é que eu vou poder seguir? Isso já tá começando a me irritar…


– Bom dia, filho. Seja bem-vindo, mais uma vez!


– Beleza, mas vamos ver se você resolve esse meu problema dessa vez, tá?! Eu não tô mais a fim de ficar andando com essa pedra por aí, não! Quero saber o que você pode fazer por mim…


O senhor sorriu um sorriso triste e disse:


– Você conhece a regra, filho. Me diga: o que a pedra que a Dona Vida lhe deu dessa vez lhe ensinou?


– Ah! A mesma coisa que as outras: nada, né?! Ou pior até: essa me limitou ainda mais! Me fez perder oportunidades, não poder estar com quem eu queria, onde eu queria! Me atrapalhou muito! Já disse e repito: isso é sacanagem comigo! Pra que que eu tenho que ficar carregando uma pedra assim?! Eu nunca fiz nada para merecer isso e…


O homem continuava a esbravejar e reclamar da pedra. O senhor apenas baixou a cabeça, acariciou o leão uma vez mais, voltou os olhos triste para o homem novamente e disse, interrompendo-o:


– Filho, sinto muito, mas ainda não foi dessa vez que o aprendizado se fez. - E acenou vagamente com a mão na direção oposta à da porta de luz.

O homem franziu o rosto com raiva e saiu resmungando… O senhor, se voltando para a Criança e a Moça, ainda com o semblante pesaroso, mas com um leve sorriso nos lábios, perguntou:


– Você queria perguntar algo mais, Moça?


Atônita, como se tivesse tomado consciência de algo muito importante, a Moça apenas sacudiu a cabeça, num “não” tímido. A Criança sorriu. Piscou para o senhor porteiro, foi até ele, tomou suas mãos e as beijou pedindo novamente sua bênção e, voltando-se para a Moça, disse:


– Vamos?!

A última cena que a Moça viu foi o senhor sorrindo acenando para ela, com o leão altivo, em pé, ao seu lado… E quando olhou para o leão, foi como se seus olhos amarelos a engolissem e tudo se desfez ao seu redor e, de repente, ela estava de volta àquele Cantinho. No mesmo lugar que ela estava antes, com a Criança ali lhe olhando com curiosidade.


A Criança então enxugou as lágrimas do rosto da Moça e disse:


– Moça, a pedra é um presente da Dona Vida. Ela tá aí e isso é fato. Nada vai mudar isso por enquanto. Então, deixa de perder tempo se lamentando. Pensa no que você pode fazer apesar dela! No que você pode aprender porque tem essa pedra e não outra qualquer… De novo: a pedra é fato. O resto, é com você!


A Moça sorriu e até pensou que sua pedra nem era tão grande assim…

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